Telma Miranda

Photografh, D.F.Hectik

Assisti recentemente a uma surpreendente apresentação (inserida nos especiais musicais da TV SENAC): a soprano argentina Lia Ferenese, junto com Ensemble Ópera Nova Zürich, interpretando uma peça de um italiano. Música contemporânea. Para quem tem ouvidos românticos ou clássicos há um enorme estranhamento. Alguns certamente se recusarão, mas posso afirmar que foi uma experiência absolutamente fascinante. De início há um certo mal estar, um espanto, eu diria. Depois surgem a dúvida, o atordoamento; em seguida, começa-se a prestar atenção e descobre-se (em grande parte devido à incrível interpretação da soprano), sem nenhuma sombra de dúvida, que se trata de uma verdadeira obra de arte.
Lohengrin, azione invisibile: eis o nome deste monodrama escrito por Salvatore Sciarrino, nascido em 1947 em Palermo, Itália. Baseado na ópera Lohengrin, de Wagner, é uma obra fascinante, que utiliza recursos vocais e instrumentais de uma forma absolutamente nova, criativa e inesperada. Infelizmente não há vídeo disponível.
Em 1937 (10 anos antes do nascimento de Sciarrino) morria Maurice Ravel, compositor francês que compôs uma peça intitulada Gaspard de la Nuit, de difícil execução. Possui três movimentos. O primeiro intitula-se Ondine, que narra a história de uma fada das águas que utiliza sua voz para seduzir e levar os visitantes ao seu reino que fica nas profundezas de um lago.



Na década de 70, Sciarrino compôs De la nuit, em um diálogo com Ravel. Um impressionista, outro contemporâneo. Não posso negar minha ligação profunda com os românticos, mas novas experiências musicais são sempre bem-vindas.

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Telma Miranda
Pelo menos duas vezes por semana preciso atravessar a praça Getúlio Vargas, em Icaraí - Niterói, a caminho do consultório. Um dia me chamou a atenção a presença de um simpático senhor (certamente ele deve ser simpático), elegantemente vestido, sentado em uma daquelas mesas de concreto, absolutamente compenetrado sobre seus papéis e canetas. Sempre pela manhã, lá está ele. Observo e fico a imaginar (ah... sempre a cruel curiosidade) sua vida, sua história, sua escrita, seus amores. E nem o vento de primavera que chega o afasta de sua tarefa: estará escrevendo cartas? poemas? uma composição musical?. Mas ele permanece, incólume e impassível, comovendo-me. Atravesso.

Penso então em dois outros simpáticos e elegantes senhores. Um é poeta, Mário, Quintana, de Porto Alegre. Outro o grande pianista, Vladimir, Horowitz,da Ucrânia. E me deixo, então, embalar pelo vento de primavera que faz saltitar as folhas naquela manhã, lembrando os grilos do Mário, os dedos de Vladimir e aguardando sempre as boas novas que o vento nos pode trazer.

O que o vento não levou

"No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro, o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."
Mário Quintana.


Telma Miranda

View of Dresden at full moon, Johan C.C.Dahl,1839

Uma das composições mais populares de Mendelssohn (1809-1847), este concerto para violino em ré menor, sem dúvida, é belíssimo. Assim como essa visão idílica de Dresden.





Mas...




...Dresden, a cidade barroca que representava a alta cultura da Saxônia, foi bombardeada pelos aliados na noite de 13 para 14 de fevereiro de 1945.

"Sessenta anos após o ataque aéreo que não deixou pedra sobre pedra, o poeta Durs Grünbein, natural de Dresden, publica o poema Porzellan: Poem vom Untergang meiner Stadt.
O longo poema rimado de 49 décimas é emoldurado por duas fotos de Dresden: uma vista aérea da cidade antes da destruição, que mostra o "S" do rio Elba e as construções às suas margens, e um antigo cartão postal da torre do Zwinger, o pavilhão barroco no centro da cidade, com um cupido em primeiro plano. O poeta canta as grandezas de "sua" cidade (apesar de ter nascido 17 anos após sua destruição), intercalando estrofes sobre os horrores da guerra aérea.

Dresden: Pompéia alemã?

Repita: não precisa de muito pra fazer
de uma cidade paisagem lunar. Ou carvão
de quem lá mora. Imagine só: acontecer
na pausa da ópera, buscar cigarro em vão.
E nas ruas, caindo mortos, o breu fervendo.
A mão do ciclista cola azul no guidão, neve,
mar de casas varrido por desértico vento.
Faraós em trajes de inverno queimam em breve.
Mais quente que qualquer verão. O último alarme
mal se dissipa, e no centro a cinza ainda arde."

(http://www.dw-world.de/popups/popup_printcontent/0,,1838439,00.html)



Ainda ouvindo Mendelssohn dá pra imaginar a destruição e a reconstrução de Dresden?



A melancolia e a tristeza de existir persiste. Seja 1839, 1945, 2005. Assim como as cidades, também nós sofremos momentos de destruição e permanente necessidade de reconstrução. Entretanto a mesma dor que nos sufoca é também ela que nos impulsiona a criar novos sentidos, a reconhecer a não-dor, a partir ou a ficar, desde que se escolha a dor e não o nada. E Mendelssohn.
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Telma Miranda

Brazilian Forest, Charles Comte de Clarac, 1877-1927


Um grande amigo me enviou uma belíssima peça de Bach: Siciliana, com Evgeny Kissin ao piano. A composição não tem, formalmente, os aspectos característicos do romantismo. Falta o arrebatamento e a afetação. É uma melodia clara,despretensiosa, sem ornamentos, ingênua, quase infantil. Entretanto há uma certa "transcendência" que, a mim, me reenviou aos quadros de Friedrich. Entretanto, essa mania de sempre experimentar algo diferente, escolhi a interpretação de Sérgio Monteiro (de Niterói) da obra do barroco alemão e um quadro de um francês do final do século XIX, retratando a floresta amazônica que lembra o romance indigenista Ubirajara de José de Alencar, de 1874. Não sei se tudo se encaixa. Se não, o jogo recomeça.




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Telma Miranda
O primeiro quadro pertence ao sombrio romantismo alemão do início do século XIX, o segundo tem as cores da Califórnia fixadas pelo artista no início do século XX. Vangelis é um compositor grego, segunda metade século XX. A solidão e o silêncio... eternos.


Solitary tree - Caspar David Friedrich, 1774-1840



The great silence - Fred Grayson Sayre, 1879-1939





Prelude, Vangelis, 1943
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