A verdadeira viagem de descoberta
não consiste em procurar novas paisagens,
mas em ter novos olhos...
(Marcel Proust)
Percebi isso há muito tempo. Quando, não sei ao certo. Era muito pequena, mas lembro que meu pai me levava a passear em Niterói e ficávamos horas esperando a hora de embarcar em uma enorme barcaça que atravessava a baía levando os carros - como o karmanguia azul de meu pai- e minha admiração. O rosto gelava com o vento, enquanto os olhos - espremidos - se fartavam de paisagem durante aquela travessia que durava uma eternidade. Alguns anos mais tarde, já universitária, voltava da faculdade na barca das 23:00. A paisagem noturna era sempre estranha, com luzes brilhantes contrastando com o breu da baía. Mais alguns anos e muitas idas e vindas, sempre me surpreendo, pois a cada vez que desbravo a baía, ela é sempre a mesma e sempre outra. Um dia, uma amiga me disse que, durante uma viagem, teve uma experiência interessante: aprendeu sobre o "olhar de turista". Sim, olho de turista. Um olho admirado, como quem vê pela primeira vez. Como um olho de um poeta, de um filósofo, ou mesmo de alguém disposto a viver somente aquele dia. Palavras dela: "atravessar a baía hoje, para mim, é sempre um passeio e me encanto sempre, como alguém que está de passagem". Mais. Ela fala sobre uma certa elegância que nada tem a ver com recursos financeiros. Palavras ainda dela: "posso ir a Paris, não visitar o Louvre e ficar lendo Drummond sentada em um banco do Jardim de Luxemburgo, assim como posso ler Baudelaire em francês a bordo da barca Itapuca". Sábia essa minha amiga; e a compreendo perfeitamente. E imagino que, mesmo não sendo mais aquela menina admirada com a travessia, sei que de alguma forma ainda sou ela. Que mesmo diante de um mundo de sempre (e sempre outro) e das mesmas paisagens, sei que ainda é possível descobrir novos olhares.
*******************************************************************
Me lembro ainda de um apólogo ( ou uma parábola, enfim) que havia no livro de leitura silenciosa, nos anos idos. Um homem queria saber o que é a felicidade. Resolveu perguntar a um sábio que, naturalmente, respondeu que não sabia, mas poderia indicar um caminho e pede que ele lhe diga o que está vendo:
- Vejo o mundo, senhor...
- Olha mais!
- Vejo campos, serras, nuvens no céu, bois no campo...
- Olha mais!
- Nada mais vejo, senhor!
- Olha bem!
- Senhor, nada mais vejo.
- Como posso te mostrar o caminho da felicidade, se é isso apenas o que vêem os teus olhos?
não consiste em procurar novas paisagens,
mas em ter novos olhos...
(Marcel Proust)
Percebi isso há muito tempo. Quando, não sei ao certo. Era muito pequena, mas lembro que meu pai me levava a passear em Niterói e ficávamos horas esperando a hora de embarcar em uma enorme barcaça que atravessava a baía levando os carros - como o karmanguia azul de meu pai- e minha admiração. O rosto gelava com o vento, enquanto os olhos - espremidos - se fartavam de paisagem durante aquela travessia que durava uma eternidade. Alguns anos mais tarde, já universitária, voltava da faculdade na barca das 23:00. A paisagem noturna era sempre estranha, com luzes brilhantes contrastando com o breu da baía. Mais alguns anos e muitas idas e vindas, sempre me surpreendo, pois a cada vez que desbravo a baía, ela é sempre a mesma e sempre outra. Um dia, uma amiga me disse que, durante uma viagem, teve uma experiência interessante: aprendeu sobre o "olhar de turista". Sim, olho de turista. Um olho admirado, como quem vê pela primeira vez. Como um olho de um poeta, de um filósofo, ou mesmo de alguém disposto a viver somente aquele dia. Palavras dela: "atravessar a baía hoje, para mim, é sempre um passeio e me encanto sempre, como alguém que está de passagem". Mais. Ela fala sobre uma certa elegância que nada tem a ver com recursos financeiros. Palavras ainda dela: "posso ir a Paris, não visitar o Louvre e ficar lendo Drummond sentada em um banco do Jardim de Luxemburgo, assim como posso ler Baudelaire em francês a bordo da barca Itapuca". Sábia essa minha amiga; e a compreendo perfeitamente. E imagino que, mesmo não sendo mais aquela menina admirada com a travessia, sei que de alguma forma ainda sou ela. Que mesmo diante de um mundo de sempre (e sempre outro) e das mesmas paisagens, sei que ainda é possível descobrir novos olhares.
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Me lembro ainda de um apólogo ( ou uma parábola, enfim) que havia no livro de leitura silenciosa, nos anos idos. Um homem queria saber o que é a felicidade. Resolveu perguntar a um sábio que, naturalmente, respondeu que não sabia, mas poderia indicar um caminho e pede que ele lhe diga o que está vendo:
- Vejo o mundo, senhor...
- Olha mais!
- Vejo campos, serras, nuvens no céu, bois no campo...
- Olha mais!
- Nada mais vejo, senhor!
- Olha bem!
- Senhor, nada mais vejo.
- Como posso te mostrar o caminho da felicidade, se é isso apenas o que vêem os teus olhos?
Telma,
Se é verdade que os olhos são a janela da alma então tudo isso é verdade sim, pois creio que a alma é sempre outra a cada dia. Mas ainda preciso comprovar isto, talvez não hoje, quem sabe, amanhã. A vida, Guimarães Rosa quis assim, não é uma Travessia?
bjs
Carlos Eduardo
Carlos Eduardo,
Se a vida é travessia, e somos apenas peregrinos, só quando "cruzamos" com outros peregrinos podemos entender o que seja alma. Penso, às vezes, que ela não existe: nós é que a descobrimos em certos momentos. Quando aprendemos a olhar.