"Era uma vez, há muito tempo atrás, num lugar muito distante... assim começam as histórias que driblam o tempo, situando-se nas coordenadas imaginárias de passado tão antigo que, paradoxalmente, “parece que foi ontem”. Neste lugar, os poetas são conhecidos como vates, porque fazem vaticínios, enquanto os narradores são conhecidos como aedos e, acompanhando-se à lira, cantam composições épicas.
Vates e aedos debatem-se com a língua porque precisam encontrar uma única forma de dizerem com precisão o que querem dizer. Para tanto, recorrem a formulações alusivas e ambíguas, de modo a que ouvintes e leitores percebam em suas palavras o que querem, ou precisam, ler e ouvir. Apenas dessa maneira paradoxal, através da ambigüidade, comunica-se o que não se pode comunicar: a verdade de cada um.
Semelhante esforço de precisão depende de um esforço equivalente de concisão, para não se dizer nem mais nem menos do que é preciso ser dito. No entanto, a própria língua resiste à pretensão. O gesto de dizer ou escrever sugere o movimento de tentar encher com uma jarra cheia d’água, do alto da cabeça, pequena caneca no chão: se o fazemos com bastante cuidado, até acertamos a caneca, que todavia transborda muito antes de ser preenchida. A palavra, como a água, revela-se tão pletórica quanto insuficiente. “Não era bem isso o que eu queria dizer”, reclamam, desanimados, depois de uma discussão, ambos os namorados, porque, na verdade, nunca dizemos, ou sequer sabemos, o que queríamos dizer: sempre se fala mais – ”eu não disse isso!” – e menos – “você ainda não me entendeu!” – quando não se fala em versos.
Isso acontece porque a língua cotidiana não admite seu caráter pletórico e incompleto, enquanto a poesia parte desse reconhecimento. Por se reconhecer excessiva e incompleta, “a poesia aumenta o território do pensável, mas não diminui o território do impensável”, como já o disse Vilém Flusser. A poesia alarga o horizonte sensível, mas não resolve qualquer mistério. Em outras palavras, se sempre precisamos de outras palavras: faz-se poesia não para resolver os enigmas, mas sim para protegê-los.
A poesia, em si mesma enigmática, procura formalmente a concisão máxima, cortando-se em versos e ampliando o branco da página que a cerca. Talvez por isso façam tanto sucesso, no Ocidente, os poemas orientais do tipo haikai (ou haiku), usualmente reconhecidos como os menores poemas do mundo. Segundo Masuda Goga, o haikai é o poema conciso por definição, formado de dezessete sílabas distribuídas em três versos, na ordem 5-7-5, sem rima nem título.
O poeta que faz haikais (em japonês, um haijin) deve procurar a simplicidade cotidiana, recusando retórica grandiloqüente ou piegas. Como o zen, precisa evitar o raciocínio para poder captar o instante e a transitoriedade “em seu núcleo de eternidade”. O haikai não explica, não discursa – apenas, sugere."
A continuação desse texto está em:
http://www.dubitoergosum.xpg.com.br/editor34.htm
- um site de leitura obrigatório.
Vates e aedos debatem-se com a língua porque precisam encontrar uma única forma de dizerem com precisão o que querem dizer. Para tanto, recorrem a formulações alusivas e ambíguas, de modo a que ouvintes e leitores percebam em suas palavras o que querem, ou precisam, ler e ouvir. Apenas dessa maneira paradoxal, através da ambigüidade, comunica-se o que não se pode comunicar: a verdade de cada um.
Semelhante esforço de precisão depende de um esforço equivalente de concisão, para não se dizer nem mais nem menos do que é preciso ser dito. No entanto, a própria língua resiste à pretensão. O gesto de dizer ou escrever sugere o movimento de tentar encher com uma jarra cheia d’água, do alto da cabeça, pequena caneca no chão: se o fazemos com bastante cuidado, até acertamos a caneca, que todavia transborda muito antes de ser preenchida. A palavra, como a água, revela-se tão pletórica quanto insuficiente. “Não era bem isso o que eu queria dizer”, reclamam, desanimados, depois de uma discussão, ambos os namorados, porque, na verdade, nunca dizemos, ou sequer sabemos, o que queríamos dizer: sempre se fala mais – ”eu não disse isso!” – e menos – “você ainda não me entendeu!” – quando não se fala em versos.
Isso acontece porque a língua cotidiana não admite seu caráter pletórico e incompleto, enquanto a poesia parte desse reconhecimento. Por se reconhecer excessiva e incompleta, “a poesia aumenta o território do pensável, mas não diminui o território do impensável”, como já o disse Vilém Flusser. A poesia alarga o horizonte sensível, mas não resolve qualquer mistério. Em outras palavras, se sempre precisamos de outras palavras: faz-se poesia não para resolver os enigmas, mas sim para protegê-los.
A poesia, em si mesma enigmática, procura formalmente a concisão máxima, cortando-se em versos e ampliando o branco da página que a cerca. Talvez por isso façam tanto sucesso, no Ocidente, os poemas orientais do tipo haikai (ou haiku), usualmente reconhecidos como os menores poemas do mundo. Segundo Masuda Goga, o haikai é o poema conciso por definição, formado de dezessete sílabas distribuídas em três versos, na ordem 5-7-5, sem rima nem título.
O poeta que faz haikais (em japonês, um haijin) deve procurar a simplicidade cotidiana, recusando retórica grandiloqüente ou piegas. Como o zen, precisa evitar o raciocínio para poder captar o instante e a transitoriedade “em seu núcleo de eternidade”. O haikai não explica, não discursa – apenas, sugere."
A continuação desse texto está em:
http://www.dubitoergosum.xpg.com.br/editor34.htm
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