Telma Miranda

 

Em 23 de junho de 2021, o então presidente do Brasil escreveu, à mão, um versículo em um papel que se tornaria um documento assinado e que seria exposto no Museu das Assembléias de Deus, no Pará: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". 

Em fevereiro de 2024 a Polícia Federal faz uma operação intitulada "Tempo da Verdade". 

Sabíamos desde o início: seu jair era como aquele tio chato, inconveniente, com mania de grandeza. Um homem inseguro, que desprezava a todos com piadinhas ridículas e com duplo sentido.  Falava com falsa modéstia, "se achando". Moralista em casa, saia todos os dias para o bar, beber com os amigos (na verdade não havia amigos, só comparsas e/ou vassalos úteis). Ria, debochava, "se achava" dono do bar, mentiroooso, arrogante, agressivo. Batia na mesa, gritava e não respeitava ninguém, principalmente as mulheres: para ele todas eram usáveis e desprezíveis (embora afirmem por aí que, incrivelmente, já o viram chorando por causa de um rabo de saia).

O que não sabíamos era: como um "seu jair" passa a ser um presidente de um país. Como conseguiu e não houve nenhuma reação? 

Em 2012, quando Netuno abriu a porta da sua casa (signo de Peixes), entre tantas previsões (negativas e positivas, pois as brumas escondem mas desvelam), ouvi: "Veremos pessoas com ideias muito criativas, mas vai aparecer muita gente doida também."

Em 2015, Umberto Eco escreveu uma frase que ecoa até hoje: "as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis". 

Em 2018, a eleição do seu jair surpreende pois não sabíamos da quantidade de pessoas que pertenciam à essa "legião". Era algo "novo", realmente incompreensível: a imbecilidade foi des-coberta, apresentada e aceita sem que houvesse resistência pois não vislumbrávamos "ferramentas" para uma oposição ao "nonsense". 

Em 2026, Netuno sairá de Peixes mas a mensagem ficou clara: somos ficcionais, criativos e e-motivos (motivados por emoções). As brumas ainda permanecerão, mas a entrada de Netuno em Áries promete. Quem sabe poderemos  descobrir novas "armas"?  Mas será necessário, sobretudo, saber qual é, realmente, a nossa luta. 

Telma Miranda






A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar.  Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade
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Telma Miranda

 Joãozinho se recusa a colocar o tênis. É dezembro. Num shopping, domingo à tarde. Seu pai argumenta: veja, todos estão usando tênis. Joãozinho, com dois anos, ainda não contraargumenta, apenas insiste. Sinto já ter ouvido o contraargumento. Sim, do pai do Joãozinho que, com alguns anos mais de vida,  me disse: por que tenho que fazer o que todos fazem? Sinto em mim também a menina que tinha dois sapatos: um conga preto, com o qual caminhava muitas quadras até o colégio estadual, e um sapatinho preto de verniz, com um pequeno saltinho, que era usado exclusivamente na missa dominical. Diferente do colégio, onde todos usavam o mesmo conga, na igreja havia meninas que usavam outros sapatos e eles mudavam a cada domingo! Era sempre uma surpresa. Um dia, motivada pela emoção diante de um sapatinho cor de rosa com um lacinho de enfeite, perguntei à minha mãe: porque não tenho o que os outros têm? 

Joãozinho não cedeu: domingo no shopping sem tênis. O pai do Joãozinho, compreensivo, aceitou enquanto pensava que seria mesmo bom poder estar descalço naquele momento. 

A menina do conga, que se tornou avó do Joãozinho, tinha um constante pesadelo: estar na rua descalça, querer correr e não conseguir e sentir muita vergonha. Muitas análises vieram, com várias hipóteses, levando em consideração minhas dificuldades e situações vividas - como se elas fossem causas da vergonha que sentia de mim mesma. 

Pés descalços.  Significava a condição dos escravos, da pobreza - uma posição econômica e social. Ter um par de sapatos era a primeira coisa a ser feita para se considerar um homem livre ("calçar a liberdade"), mas ainda assim continuava sendo um "pé rapado".  

"Pés descalços" também significava humildade, despojamento. 

Nos meus sonhos, o sentimento era de vergonha, sensação de nudez, timidez, falta de confiança. Mas na juventude, quando eu e uma amiga tiramos os sapatos no meio do centro da cidade para "salvar" nossos dedinhos, a sensação de bem estar e liberdade me acompanha desde então.  

Apenas insista. Apesar de tudo e de todos. 



"A lei penal é como a serpente, só pica os descalços" 

https://professorlfg.jusbrasil.com.br/noticias/133203135/a-lei-penal-e-como-a-serpente-so-pica-os-descalcos
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