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Telma Miranda


"Assim tenho por verdadeiras as palavras de Arquitas de Taranto, que entendi recordar a velhos que as ouviram eles próprios de seus pais: "se alguém subir ao céu, e de lá contemplar a beleza do universo e dos astros, todas essas maravilhas deixá-lo-ão indiferente, enquanto que o embasbacarão de surpresa se tiver de contá-las a alguém". Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo"  


"Diálogo sobre a amizade" - Marcus Cícero (106-43 a.C.)



Este foi o início de tudo -- o "Andante affettuoso"... Ele foi concebido anos atrás (não sei mais se em 2009 ou 2010...). Ato contínuo, o meu pensamento buscou integrá-lo em uma sequência que pudesse dar um amplo sentido à obra. Então, pensei: "por que não uma... sonata?"...
Obviamente, alguns puristas poderiam apontar o dedo e torcer o nariz quanto à observância (ou falta dela) no que concerne à tradicional forma-sonata. Mas isto agora não tem mais importância.
Pois é como diz o vento:
"Fecha os olhos e escuta o que eu digo...! Nada busque farejar, pois o sentido do meu sopro transcende as coisas da terra..."
É isso...
Tiago Oliveira
Telma Miranda

"O homem (se) constrói o mito da perfeição pela dificuldade de aceitar a inerente imperfeição e incompletude dos atos da vida. Quanto mais o ser humano se ausculte, será para defrontar-se com a impossibilidade de alguma solução pacificadora, permanente, perfeita e acabada. Somos um fazer-se sem descanso. Só temos paz nos raros momentos em que acertamos ou intuímos a existência de uma plenitude cuja percepção escapa, logo depois de alcançada.
Os casos de amor vivem rondados por frustração ou arrependimento. Não o amor. Este é íntegro, irrefutável, cristalino, pleno e indubitável; mas os amantes, seus precários portadores. Quase sempre o tamanho do amor é maior que o dos amantes. As pessoas têm mais amor do que podem. Daí o fardo pesado que é carregar a chance de felicidade.
O amor é pleno mas cada amante vive envolto numa teia de limitações. Sobrevém a eterna disjuntiva: frustração ou arrependimento. Entregar-se a um amor é abandonar outros. Optar é renunciar. E, do que se renuncia e abandona, pode provir, depois, arrependimento. Afastar-se de um amor, ainda que por lúcidas razões, pode gerar, adiante, a frustração pelo que se deixou de viver.
Arrependimento e frustração são, pois, duas ameaças inevitáveis para amantes que se descobrem viáveis em pele, olho, poesia e suspiro, na mesma medida em que se sabem cercados de repressões, compromissos, impossibilidades ou, então , exorbitantes preços existenciais a pagar pela meia felicidade.
Viver implica essa dolorosa tarefa (suplício e enigma): a de integrar esses pedaços opostos, incorporando dificuldades, vivenciando a eterna imperfeição de tudo. Viver é descobrir-se inocente e virgem quando já se considerava pronto, vivido, definido e auto-suficiente. Somos fadados a ser pessoas sempre nalgum limiar. Quanto mais conhecimento e vivência, novos limiares.
O sofrimento do homem deriva dessa estranha divisão de sua alma: ele precisa de nitidez, de encaixes perfeitos, de caminhos retos, mas só lhe é dado viver situações provisórias e incertas, sinuosos pedaços de retidão, o que o leva a manifestar até pela mentira as suas mais fundas verdades.
O amor, porém (não os amantes), rompe esse exercício de sofrimento pois liga o homem a uma finalidade. Por isso o amor permite o sabor-saber, fugidio e delicioso, de algo pleno, sempre fora e além de nós, mas vivido em nós (por isso o enigma), uma certeza adivinhada (e breve vivida) de plenitudes impossíveis aqui.
O amor traz a certeza secreta de uma instância de paz, plenitude e perfeição da qual a vida é um aprendizado, por isso incompleta e inacabada, provisória e sempre em busca. O amor é o filme, mas a vida e os amantes são o trailer de um filme que se intui possível, porém nunca alguém o verá.
O amor é pleno mas os amantes precários, impossíveis, atrapalhados por eles mesmos e suas opções sempre "certo/erradas".
No amor, a todo certo ideal corresponde algum erro real de exercício. Por isso, quem ama vive a misturar pedaços de verdades pela impossibilidade de viver a totalidade. Aqui residem o suplício e o enigma de viver: o amor é total, pleno, mas a vida de quem ama é feita de pedaços, de renúncias ou arrependimentos, de impossibilidades ou carências. Aceitar o enigma sem o deslindar é aprender a viver: é amadurecer. E exige trabalho interior penoso, grandeza, equilíbrio e autoconhecimento.
Somos um todo fragmentado que para se recompor e harmonizar precisa viver as divisões, os sofrimentos e os açoites das mentiras que conduzem às nossas verdades mais profundas. Viver em plenitude todos os pólos de que somos compostos, eis a ressurreição em vida. O amor, em sua qualidade de rio de muitas vertentes, ajuda e ilumina esse processo de autodesconhecimento permanente que é a única forma de autoconhecer-se. Por isso o amor é um estranhamento; e ao vivê-lo, os amantes atrapalham-se, atropelando-o."

Artur da Távola (1936-2008)
Telma Miranda

Sempre se cantou, de forma dramática, a dor da separação. As letras românticas revelam um sofrimento desesperado pela perda da pessoa amada. Quanto mais tristes estão, mais as pessoas desejam ouvi-las. Sem dúvida, a separação fere, e o amor romântico, por mais que se apresente como maravilhoso de ser vivido, traz mais sofrimento que alegrias.

Quando se rompe uma relação amorosa, aquele que não desejava o desfecho é tomado por profunda angústia e tristeza. Desde crianças aprendemos uma mentira bastante limitadora: só podemos nos realizar afetivamente através de uma relação amorosa estável — namoro ou casamento. Além disso, existe o hábito de se confundir amor com desejo. Ouvir alguém dizer “Não te amo mais” abala a auto-estima, é doloroso e desnecessário, porque na maioria das vezes não corresponde à realidade. A não ser que tenha havido alguma desavença grave ou então que se trate do amor romântico, aquele ao qual não se pode dar crédito, por não possuir quase nada de real, por ser inventado, idealizado. Mas não é desse tipo de amor que quero tratar agora.

Refiro-me ao amor de verdade, em que se percebe o outro com suas próprias características, amando-o pelo seu jeito de ser. Pode-se viver junto, com satisfação durante algum tempo, mas não é raro que, num determinado momento, surjam novos anseios. Não se deseja mais conviver diariamente com aquela pessoa, nem se sente mais desejo por ela. Entretanto, não significa absolutamente que o amor tenha acabado. Gilberto Gil percebeu isso quando compôs Drão para a ex-mulher: Drão/não pense na separação/não despedace o coração/o verdadeiro amor é vão/estende-se infinito/imenso monólito/nossa arquitetura/Quem poderá fazer/aquele amor morrer/nossa caminha dura/cama de tatame/pela vida afora...

Mas é comum se aceitar o amor dentro de limites tão estreitos que ele se torna um sentimento frágil. Acredito numa incompetência generalizada para a vida amorosa. Poucos conseguem depois da separação continuar amando seu antigo parceiro e sendo amado por ele. Um deve ser excluído para que se coloque outro no lugar. Entretanto, a relação amorosa é rica, variada, podendo se realizar de modos diversos. Com o ex geralmente ela se transforma: passa a ter novos códigos e menos convívio. Mas não tem nada a ver com estar amando menos.

É mais ou menos como se plugássemos o afeto pelo antigo parceiro em outro canal, sem que ele diminua de importância na nossa vida. Na hora em que nos dispusermos a reformular o modelo de separação, não será tudo muito mais fácil?

Regina Navarro