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Telma Miranda








 














V

 Não lhe ergais lápides. Que a rosa apenas
 floresça ano após ano em seu louvor.
 Pois é Orfeu. Sua metamorfose
 neste e naquele. Não nos afadiguemos

 por outros nomes. Uma vez por todas:
 é Orfeu quando há canto. Ele vem e vai-se.
 Não é já muito que à taça das rosas
 alguns dias por vezes sobreviva?

 Se entendêsseis ao menos que ele tem de morrer!
 Mesmo quando de morrer ele sinta medo.
 Quando o seu verbo vence o estar-aqui,

 ei-lo além já, onde vós não chegais.
 Da lira a grade não lhe tolhe as mãos.
 E ele obedece ultrapassando.

 Sonetos a Orfeu - Rilke (1875-1926) (Versão portuguesa de Paulo Quintela)

 Trecho da ópera de Gluck - "Orfeo e Eurídice" - com o maior pianista brasileiro.


https://www.youtube.com/watch?v=lLFF9UkoiJg

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Telma Miranda

A Demora

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.

Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto



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Telma Miranda
Lembrança alada

Em alguma vida fui ave.

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.

Mia Couto




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Telma Miranda


"Assim tenho por verdadeiras as palavras de Arquitas de Taranto, que entendi recordar a velhos que as ouviram eles próprios de seus pais: "se alguém subir ao céu, e de lá contemplar a beleza do universo e dos astros, todas essas maravilhas deixá-lo-ão indiferente, enquanto que o embasbacarão de surpresa se tiver de contá-las a alguém". Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo"  


"Diálogo sobre a amizade" - Marcus Cícero (106-43 a.C.)



Este foi o início de tudo -- o "Andante affettuoso"... Ele foi concebido anos atrás (não sei mais se em 2009 ou 2010...). Ato contínuo, o meu pensamento buscou integrá-lo em uma sequência que pudesse dar um amplo sentido à obra. Então, pensei: "por que não uma... sonata?"...
Obviamente, alguns puristas poderiam apontar o dedo e torcer o nariz quanto à observância (ou falta dela) no que concerne à tradicional forma-sonata. Mas isto agora não tem mais importância.
Pois é como diz o vento:
"Fecha os olhos e escuta o que eu digo...! Nada busque farejar, pois o sentido do meu sopro transcende as coisas da terra..."
É isso...
Tiago Oliveira
Telma Miranda
Giuseppe Tartini (1692-1770) foi um violinista e compositor do barroco italiano. Sua obra mais conhecida é a Sonata nº 2, Op.1 - "Trilos do Diabo". Contam que ele teria tido um sonho:
“Uma noite sonhei que tinha feito um pacto com o diabo, o qual se dispôs a me obedecer, em troca de minha alma. Meu novo servo antecipava meus desejos e os satisfazia. Tive a ideia de entregar-lhe meu violino para ver se ele sabia tocá-lo. Qual não foi meu espanto ao ouvir uma Sonata tão bela e insuperável, executada com tanta arte. Senti-me extasiado, transportado, encantado; a respiração falhou-me e despertei. Tomando meu violino, tentei reproduzir os sons que ouvira, mas foi tudo em vão. Pus-me então a compor uma peça – Il Trillo del Diavolo – que, embora seja a melhor que jamais escrevi, é muito inferior a que ouvi no sonho”.


Se foi "il diavolo" ou o inconsciente, não importa. O que importa é que existe um Itzhak Perlman que traduz o sonho na alma da gente:



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Telma Miranda



"Narcisso Speculando" - Madrigais,  Paolo da Firenze (1355 - 1436)

3.
Diante de mim, nestas águas
quem sou, que não me preciso?
Ai, que sonho tão temível
assim me turva o sorriso?
Que amor, que presságio cingem
a cabeça de Narciso?
A que secretos poderes
se confia minha sorte,
se o que frágil vejo na água,
em mim se torna mais forte,
e onde sei que está a vida
encontram todos a morte?
Entre mistérios tão vastos
que breve instante que somos!
De repente descobrimos
que estamos. Mas onde? e como?
Por mais que nós nos dobremos
sobre nós e o que já fomos,
à inútil pergunta nossa
somente o eco responde.
E diante outra vez de nós
estamos. Há quem nos sonde?
E de que espaço ou que tempo
nosso eco responde? de onde?

                                       *     *     *


5.
Minha face prateada pela tarde
nativa de zagais e alegorias
é um reflexo de mim tornado arte,
do centro imóvel que gerou meu dia.
A mão é um rio de coral filtrado
entre conchas de som que o sonho fia,
e são as veias um caminho vasto
para um sangue de amor e de agonia.
Em torno a mim os mármores do tempo
tecem tramas de eterno meio-dia,
e me dissolvem no seu pensamento.
Há cavalos de amor de crinas frias
arrastando-me sempre para dentro:
que eu mesmo sou a minha companhia.



                                    *       *       *


19.

Consomem-se os laureis da minha vida
em quatro dias, quatro eternidades
memoráveis de esperas e de lutas
contra mim mesmo e o tempo que me cabe
com seu noturno archote e muda flama,
e este silêncio, que é de amor ainda,
rastejando seus males e o infortúnio
contra um redor de festas e vindimas.
Um céu pressago sobre mim desaba
seu manto esquivo e azul com mãos tão frias
que o coração e tudo em mim naufraga
avaramente, e logo se aniquila,
como a sombra que em sombra se desata.
E estou tão só que a solidão cintila.


Extraídos do livro "Explicação de Narciso" de Marly de Oliveira (1935-2007)

     


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Telma Miranda

Bilhete a Heráclito

Tudo deu certo, meu velho Heráclito,
porque eu sempre consigo atravessar esse teu outro rio
com o meu eu eternamente outro....


       *     *     *

Nunca dês um nome a um rio:
sempre é outro rio a passar.


Mário Quintana (1906-1994)







"E nada me permite afirmar que eu sou, eu o ego, o mesmo através do tempo. Nada me permite, pois perdi o tempo, perdi a memória e já esqueci quem sou. Nem mesmo posso dizer: "eu sou", mas apenas: "há algo", "algo acontece, é vivido, é a vida".
Mikkel Borch-Jacobsen


Sou Apiaká-kayabi, Sateré-Mawé, Waiana Apalai, Guarani-Kaiowá, Yalawapiti.....
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Telma Miranda















Tríptico com melopeia

Sob a pele 
lento e surdo 
um lume. 
Pelas ruas 
somente a palha 
o velho cascalho 
das palavras.

Onde os claros, longos dias do Verão? 
Onde uns olhos amorosos, a chamar?

Tortos mortos rios
as planícies devastadas. 
Pedra e cal 
e a mó moendo infatigavelmente.

Distante, muito além 
um obstinado fagote
recorrente e rouco.

Henrique Chaudon


               Não resisti e embarquei, quando li esse belo poema do Henrique Chaudon, 
nos sons da memória.  Um fagote. 
              A primeira lembrança, certamente também para muitos, é a peça musicada de Prokofiev "Pedro e o Lobo". O som grave do fagote anunciava as advertências do avô contra o heróico desejo de Pedro: caçar o lobo. 
             A outra grata lembrança foi quando conheci Noel Devos em uma apresentação da  Orquestra Sinfônica Brasileira. Noel nasceu na França, mas veio para o Brasil na década de 50 como primeiro fagotista da OSB. Ainda tenho um LP dele, comprado na ocasião, intitulado: "Francisco Mignone - 16 valsas para fagote solo". Um solo de Noel Devos. E constatamos: um fagote recorrente e rouco. Ah... mas também tão doce...
   





Telma Miranda

O contrabaixista Ron Carter dizia que sua função num quinteto de jazz (ele foi o contrabaixista do quinteto de Miles Davis) era tocar sempre a nota que impedisse os outros músicos do grupo de tocar a nota que eles imaginavam que iam tocar, obrigando-os sempre a encontrar uma nota inesperada.  Penso sempre nessa frase, obsessivamente, e acho que é porque, no fundo, a vida, tal como a vivo, é o meu Ron Carter, sempre fazendo soar a nota que me impede de tocar a nota que eu achava que ia tocar, e me obrigando a encontrar outra, à queima-roupa, numa fração de zepto-segundo.  Às vezes desafino feio, falho, perco o tom e o rebolado, e os amigos me vão recolher no lixo do beco atrás do enfumaçado e noturno "Pub dos Corações Solitários", entre trapos de lágrimas, gatos e espinhas de peixe, e outras vezes mando tão bem que o pequeno público do enfumaçado e noturno "Pub dos Corações Solitários" se levanta, dança na pista e entre as mesas, esboça um sorriso entre as lanterninhas japonesas dos cigarros e os copos de gim e ao final aplaude e grita, olhos brilhando: "mais um!".  E eu toco um novo solo feito das lembranças de ter sido recolhido no lixo, entre trapos de lágrimas, gatos e espinhas de peixe.  Disse o Paul Valéry que um leão é feito de carneiros devorados, eu sou um carneiro feito de leões ferozes ludibriados, e amo cada palavra escrita pelo poeta peruano Antonio Cisneros, morto semana passada, aos 69 anos. Que dor no coração escrever estas palavras."

Carlito Azevedo (O Globo, Prosa e Verso, 27/10/2012)








 Café en Martirok Utja


Hay una lámpara floreada sobre el piano
y una estufa de fierro.
Bebes el vino junto a la única ventana:
un autobús azul y plata cada cinco minutos.
  Pides el cenicero a la muchacha
(alta flor de los campos ven a mí).
La luz del otoño es en tu vaso
un reino de pájaros dorados.


Pero pronto anochece.
Los autobuses no son azul y plata,
el cenicero es una rata muerta,
el vaso está vacío.
La muchacha partió cuando encendieron
la lámpara floreada y tú mirabas
la lámpara floreada.


Puedes pedir otra jarra de vino,
pero esta noche
no esperes a los dioses en tu mesa.


 

Antonio Cisneros (1942-2012)
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Telma Miranda
Vincent Van Gogh



Barcos

Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua

E a curva do seu bico
Rói a solidão


Sophia de Mello B. Andresen





Telma Miranda
" o espírito pode entreter-se com coisas ricas ou pode entreter-se com coisas pobres. o espírito é uma criatura muito ávida de ocupação. precisa de se ocupar constantemente. o espírito deve ser o único pedaço de nós que ficou criança e que precisa de estar sempre entretido com qualquer coisa. enquanto me entretenho com o Glenn Gould e as suas variações Goldberg eu não morro e nada morre à minha volta."

"A desfazer-se" - Vera Mantero


Glenn Gold - Variações Goldberg - parte I
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Telma Miranda
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa (1924)



"For the love of God", com Steve Vai:

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Telma Miranda

Qualquer música


Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!

Qualquer música – guitarra,
Viola, harmônio, realejo…
Um canto que se desgarra…
Um sonho em que nada vejo…

Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida…
Que eu não sinta o coração!

Fernando Pessoa



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Telma Miranda
In primavera le piante e le passioni si risvegliano.

Na primavera, as plantas e as paixões despertam.



Minerva and the nine muses - Hendrick van Balen (1575-1632)




Spring Song - Félix Mendelssohn (1809-1847)
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Telma Miranda
Primeira Elegia

Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo
senão o grau do Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face - a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos - talvez os pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.

(...)

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,
às rosas e a outras coisas singularmente promissoras
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome
como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar em seu seio
um vestígio de eternidade. - Os vivos cometem
o grande erro de distinguir demasiado
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem
se caminham entre vivos ou mortos.
Através das duas esferas, todas as idades a corrente
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles
que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos, violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações - que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.

Elegias de Duíno - Rilke (1875-1926)

Para Professora Elsa Savino, que compartilhava seu amor pela poesia.
Grazie per tutto.



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"No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar
E andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir teu calor
E ser tudo"

Beto Guedes e Ronaldo Bastos
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