Telma Miranda










 





Fevereiro. 2012. Quando ainda havia jornal nas bancas. 
  • Sábado de fevereiro. Há algo mais desanimador? (Claro, do meu ponto de vista - que é sempre a vista de um ponto.) Haveria algo mais animador? Ler jornal. Ora, ora, dirão alguns, nada mais desanimador. De novo, depende do ânimo de cada um. Começo a leitura. De novo, no primeiro caderno do jornal , quase nada. Segundo caderno: ótimo texto do Wisnik - que aprendi a admirar - sobre a poesia de Wislawa Szymborska (que nos deixou enlutados e melancólicos no primeiro dia desse fevereiro). No caderno Prosa e Verso, um texto lúcido e consistente do João Cezar sobre literatura e crítica. Pausa para um café. Retorno ao segundo caderno e me animo ao saber que sete cinemas de rua do subúrbio do Rio vão reabrir (Cine Cachambi!!!), que os bailes de carnaval estão em alta e que um subsecretário de Patrimônio (que lutou pela retirada das grades da Praça Tiradentes) afirma que "gente circulando traz mais segurança que as grades"! Meu sábado está salvo!
  • Uma grande amiga anuncia, no almoço de quinta no Sagrada Família da Rua do Rosário, que cansou de correr atrás da felicidade. E, incrivelmente, anda se sentindo mais feliz. Não me surpreendi, portanto, quando Guilherme Gutman, em sua resenha sobre a nova tradução do elucidativo texto freudiano - "Luto e melancolia" -, afirma que neste texto "há alimento suficiente para todos aqueles que, de algum modo, percebem que a felicidade não é o ponto de chegada de uma vida, mas, quando muito, um lugar de pouso." E que uma vida interessante pode ser mais ampla que uma vida feliz. Sábia, a minha amiga.
  • Last, but no least, um grande poema de Wislawa para salvar o sábado de todos nós:

Autotomia

Diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.

Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.

No centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
Aqui o desespero, ali a coragem.

Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
Se há justiça, ei-la aqui.

Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
Em corpo e poesia.

Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.

Aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.

O abismo não nos divide.
O abismo nos cerca.

(tradução coletiva, publicado em Inimigo Rumor 10)
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