Telma Miranda
A Rede fez 20 anos no último dia 13 de março. Mesmo ainda jovem, não há como negar seu imensurável poder, a ponto de podermos afirmar que existe uma geração já formada por ela. Ainda “criança”, a rede de relacionamentos Orkut, com apenas 5 anos de existência, também possui lá seu poderes, tendo alcançado um sucesso inimaginável, principalmente entre os jovens e as crianças (embora o acesso só seja "permitido" aos maiores de 18 anos).
Os meios eletrônicos estão presentes no cotidiano de todos nós e as crianças são as mais influenciadas e as que mais poderão ser beneficiadas e /ou prejudicadas e serão também, paradoxalmente, as que mais estarão aptas a intervir em todos esses novos meios de comunicação. Sabemos o quanto esses novos meios são fundamentais hoje, seja na escola (proporcionando novas experiências na elaboração e reelaboração dos saberes) seja em casa (possibilitando inúmeras formas de interação). Sabemos igualmente que a criança é movida pela curiosidade, pelo prazer, pela brincadeira – é a fase das experiências e descobertas. Entretanto, não podemos esquecer, a família é a primeira responsável pela formação e estruturação emocional-cognitivo-afetiva de suas crianças. Dessa formação dependerão os critérios que nortearão suas experiências. Alguns pais estão preocupados com esse novo universo e muitas vezes não sabem como lidar com isso. Na própria rede, há sites com listas disciplinares, com imperativos limitadores. É óbvio que todos os cuidados devem ser tomados – nem estou aqui minimizando a utilização das “listas”, se necessário for – mas insisto na necessidade de uma reflexão maior que englobe os relacionamentos de uma forma geral. Uma vez, quando sugeri a uma mãe que jogasse um determinado jogo junto com o filho, ela me disse: “Ah, não tenho paciência nem tempo para isso.” Para jogar ou para ficar junto ao filho?
O tempo parece não estar mais disponível (ou nós não estamos mais disponíveis para ele). A família já não é o espaço de intimidade, de troca, de conversas, de porto-seguro. Não estou aqui fazendo apologia nostálgica de nenhum modelo familiar. Só a constatação de uma realidade que insiste em se presentificar, principalmente na clínica. O que observamos, em muitas das atitudes dos pais, é uma ausência de qualquer postura crítica diante do mundo em geral (e obviamente diante do mundo virtual). Ora, como esse adulto, completamente à mercê dos discursos midiáticos e refém da ditadura das aparências, pode proteger e cuidar dos pequenos?
A internet é um universo ainda a ser explorado e é preciso refletir acerca das crianças que estão on-line. Mas creio que é preciso pensar além. Afinal, as crianças on-line não são só aquelas que estão plugadas na rede. São também aquelas que estão on-line com o seu tempo. Um tempo hostil em que são submetidas ao medo, à violência, à tirania do consumo, à necessidade de pertencimento, à impunidade diante das leis, ao esfacelamento das relações, à inocuidade das vivências escolares, à iniqüidade das ausências de afeto. Daí uma pergunta: o que acontece quando as crianças se desconectam da internet? A resposta pode ser uma chave para compreender o fascínio poderoso das redes de relacionamentos. Numa sociedade de consumo onde o sentido de pertencer está atrelado a ter (bens, informações, roupas, blogs, i-pods), onde o espaço da intimidade, do sentimento, das emoções? Na sociedade atual tudo é absolutamente descartável, inclusive as pessoas (basta um click e deleta-se um “amigo”) e a lógica que impera é a do mercado. Uma sociedade que oprime tanto os adultos quanto as crianças. Onde achar o acolhimento, o silêncio reconfortante, o abraço consolador, o olhar compreensivo, o gesto misericordioso?
Não sendo encontrado no mundo presencial, procuramos o reconhecimento no mundo virtual. Talvez seja esse um dos motivos do sucesso da rede de relacionamentos Orkut, pois nela criam-se perfis, escolhem-se comunidades, dando a sensação de pertencimento, tão necessária às crianças e aos jovens.
O Orkut é um espaço virtual, mas também um espaço público. E aí a questão: saberá a criança compreender essa diferença? Qualquer um pode ter acesso às informações postadas. Quem será “qualquer um” dentro do universo infantil? Tanto pode ser o conhecido como o estranho que tanto fascina. Como nos contos de fada (se assim não fosse, não existiria Lobo Mau), como nas esquinas da vida, como na vida a fora. Imaginamos que a criança, quando acessa esse site de relacionamentos, queira brincar, ser reconhecida, encontrar os seus 120 “amigos” (?!?), trocar “figurinhas”, pertencer a um grupo. É a fase da descoberta, da brincadeira, de vivência de novas experiências. E a cautela que devemos ter em relação ao Orkut, me parece, é a mesma para todas as áreas da vida – virtual ou não. O Orkut não é ruim nem bom "per se". A utilização dele - e de tantos outros sites - é que pode trazer conseqüências negativas ou positivas. A rede hoje é uma ferramenta didático-pedagógica importante. As facilidades, as trocas, as inúmeras possibilidades de interação devem ser exaltadas. Mas é preciso estarmos atentos à sua outra face, que pode ser fascinante mas perigosa. É como entrar no labirinto sem o fio de Ariadne. O risco, para todos, é enorme, mas no caso de nossos pequenos “brincantes” toda atenção é pouca. A viagem pelo labirinto pode ter duas conseqüências: a pior delas é perder-se. Ou achar-se em fragmentos. E, last but not least, a quem interessaria toda um geração fragmentada, descentrada e não-compromissada? Em época de excessos como essa em que vivemos (que possui como suporte toda uma teoria neo-liberal) é preciso estar atento e fazer escolhas sem a falsa idéia de liberdade que a mídia nos “vende”. Equilíbrio afetivo, consciência crítica e prudência – talvez aí esteja a receita para enfrentar esses novos tempos.
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