Telma Miranda
Nos "verdes" anos, no meio do turbilhão de adolescer, a poesia pode ser uma espécie de um outro que te entende, que diz o que vc sente, que te faz chorar, que te consola, principalmente quando o grande amor da sua vida passa por vc e nem percebe a sua existência.
Os primeiros sonetos são nossos primeiros amigos na solidão. A gente os conhece, decora, copia e os leva consigo muitas vezes durante muito tempo: um amigo fiel, que se faz presente, sempre que necessário. Assim aconteceu com "Dualidade" de J.G. Araújo Jorge, "Sete anos de pastor Jacó servia" de Camões e o soneto "estrelado" da Via-Láctea de Bilac - que eram copiados, no caderno de versos, ilustrados e adornados com os famigerados "decalques" (hoje seriam "stickers") de flores. Embora ainda "verdes", ousamos pensar que já podemos produzir frutos e aí surgem os primeiros versos. Estes também anotados com todo o capricho, em caderno especial, com canetas coloridas, sem rasuras nem arranhões. Macios e monótonos - variações sobre o mesmo tema. Mais tarde, os amigos sonetos ficam de lado, escondidos num tempo, amarelando. Não mais os encontros solitários entre olhos e palavras. Entretanto, nas primeiras ( e depois inúmeras) desilusões necessárias, são os sonetos que nos acolhem em sua musicalidade, nos fazem companhia, como outrora, e, numa nova leitura, surpreendentemente nos invade a sensação de que tudo, absolutamente tudo, pode começar de novo.

1. Dualidade

Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.

Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,

- e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!

J. G. de Araujo Jorge

2.
Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa a servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

Luís de Camões

3.
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora; "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Olavo Bilac
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