Telma Miranda
Música sempre

Era uma casa no Engenho Novo. Uma Senhora, um cachorro manso e um piano esperavam por mim. Sempre às terças. Ainda menina, uns 12 anos, escorregava meus dedos no misterioso mundo preto e branco das teclas. Czerny, Bach, Chopin. Valsas, solfeggietos, lundus. Sons que povoavam minha imaginação romântica.
Um dia, a severa Senhora encontrou – entre os exercícios de Czerny – uma partitura de uma canção: “Preciso aprender a ser só”, de Marcos Valle. Uma verdadeira heresia, segundo ela. Estremeci. O busto de Beethoven e o metrônomo olhavam sérios para mim e eu, triste, sem saber o que era exatamente uma heresia, não reagi quando a partitura foi direcionada para o lixo. Mas o gesto não foi suficiente para me proteger das canções populares. Aos quinze veio o violão (presente inesperado de meu pai). Depois as rodas com os amigos, as composições ingênuas, os festivais de música em um clube na Tijuca, os encontros em Vila Isabel, as tardes na varanda, as noites nas escadas de um prédio no Grajaú.
Um dia me apaixonei, claro, e dele ganhei um “disco”. Que ouvi muitas vezes e - ainda não sabia - ouviria muitas outras, o resto da vida. E chorava. E mais chorava, mais gostava. Era o Adágio de Albinoni. A melodia me invadiu de tal forma, que os sentimentos de alegria, dor, tristeza, melancolia se mesclaram em apenas um: Beleza. E aí soube: eu existia. Em toda a minha plenitude. E a partir daquele momento compreendi que o mundo tinha uma melodia e que bastava ouvi-la para existir.


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1 Response
  1. Uma amiga me escreveu um e-mail. Diz assim:
    "Minha Cara Telma
    Ao te escrever... ouço o Adágio em G menor de Albinoni, e de início não sei como reter a vontade natural, o hábito talvez, de pensar-sentir a tristeza, a grandeza da emoção, que acompanha a melodia. A minha interpretação de seu drama quer, como você, chorar. Porém, ao olhar o compositor, me vem ao espírito que talvez eu esteja inteiramente fora do contexto. Sua roupa traduz para mim seu tempo e Albinoni o expressa, perfeitamente. Tempo onde se andava lentamente com trajes finíssimos, onde Reis e Rainhas, Príncipes e Princesas, Condes, Condessas, Duques e Duquesas, Tzares e outros nobres, andavam pela terra para desfrutar de tudo que há de mais belo.... com enormes vestidos, perucas, “sapatos de cristal”, carroças, que atravessavam as calmas paisagens que iam eternamente até o horizonte, com apenas castelos como interrupções arquitetônica. Castelos forrados de ouro, arabesques, pinturas, móveis a luz de velas, que são até hoje considerados preciosíssimos, sinfonias tocadas por grandes orchestras, jardins, flores, formas que contornavam todas as pobrezas terrestres para acentuar as coisas mais belas que a terra tem para oferecer quando é permitido ao homem que ele crie, com finesse e minúcia, para se aproximar da perfeição, dedicadamente.
    Albinoni e a sua música acompanham esta época tão Reale.
    Tive num lapso: a idéia de um pequeno vídeo, com você como atriz (principal e única) para demonstrar talvez que as roupas podem transformar a interpretação trágica, da música de época. [Com a mesma música, de Albinoni]

    No começo você vai andando calmamente pela campagne, vestida para começar de costumi per il grande cinema de época, e ao longo de sua caminhada suas roupas mudam (de época), enquanto o pano de fundo: a paisagem, permanece a mesma, antiga, verde e deslumbrante. Ao se aproximar de um lago você se despe, se imerge, e nada.................. até se dissolver com o horizonte, muita luz muita calma.

    .: FIM :.

    Muito bom ouvir a verdade que nos aproxima do que foi e do que sempre poderá ser...obrigada Telminha, não sabia quem era o compositor deste lindo adágio.

    E aí respondi:
    'Sei que temos uma ligação afetiva, uma interação que não sabemos explicar.
    Sua leitura e escrita me dizem de uma alma especial, viva, que possui uma sensibilidade pura, ingênua, sem "cascas", nem perucas. O vídeo nada mais é, caríssima amiga, que o movimento de sua/minha alma, que viaja por todas as paragens, minha/sua alma livre, e que, por isso mesmo, compreende a Beleza de um encontro como nosso.
    Um grande beijo
    Telma.


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