Telma Miranda
Era muito jovem quando vi o filme "Ensina-me a viver" (Harold and Maude) em um cinema que ficava no final de uma galeria, na antiga praça Saens Pena. Vi umas três vezes. Me lembro até hoje da sensação de um certo estranhamento e muito contentamento. A música de Cat Stevens, claro, ajudava e, nessa mesma galeria, havia uma loja de discos onde comprei o LP. O filme conta a história de um jovem de 20 anos que se recusava a viver da forma como todos esperavam e que vivia encenando situações que sempre envolviam a morte. Um dia encontra uma mulher de 79 anos por quem se apaixona e começa, então, a viver. Mas uma cena sempre me perturbou.

À beira de um lago, Harold dá um anel a sua amada. Maude, feliz, aprecia o anel e, zás, atira o anel no meio das águas. Como já disse, era muito jovem e aquilo foi um choque. Harold, como eu, estranha: como assim? E ela responde: assim sempre saberei onde está. Ah, como custei a aprender a guardar assim! Era tão jovem e pensava que muitas coisas ainda iriam acontecer e que teria que guardá-las para não esquecer. Queria guardar absolutamente tudo que tivesse alguma importância. Já havia as infinitas caixinhas, em cujo interior conviviam embalagens de diamante negro, um brinco sem par, uma foto de Charles Bronson, papéis amassados com os desenhos que Marcos fazia. As pétalas de flores recebidas iam para dentro dos livros, amarelando as páginas melancolicamente. Mas, afinal, eu sabia onde estavam.
E seguimos assim: folhas desbotadas, bilhetinhos enamorados, guardanapos secretos, versos proibidos, fotos dos filhos, primeiros rabiscos...
Muitas caixinhas depois, percebi que saber onde guardamos esses objetos queridos não os torna vivos. Mais: as caixinhas são pequenos esquifes onde depositamos tempo perdido. Não foi fácil jogar lembranças às águas. Mas não saber onde estão me dá a certeza de sempre saber que existiram. E basta!
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