Telma Miranda

Formas ao acaso



"O homem tem de se inventar todos os dias."
Jean Paul Sartre,1905-1980


Numa sexta de novembro, leio em uma revista de agosto: "a mente humana foi configurada para encontrar ordem onde ela não existe." Referia-se, o artigo, à dificuldade humana de reconhecer o acaso, o aleatório. A ideia de que a ordem está ligada a uma perfeição (ou uma aproximação disso) é comum. Mas, incrivelmente, o acaso absoluto é uma forma de perfeição. Ora, ou sempre existe uma ordem (seja ela qual for) ou não existe ordem alguma (e criamos uma ilusão que teimamos em reconhecer como ordem). O texto - que na verdade é uma resenha de um livro intitulado "Andar do Bêbado" do físico americano Leonard Mlodinow - termina com a seguinte afirmação: "A consciência do acaso pode ser libertadora."

Por obra do acaso, nessa mesma sexta assisti a "Viver sem tempos mortos", um monólogo magistralmente interpretado por Fernanda Montenegro sobre a obra de Simone de Beauvoir. "O acaso tem sempre a última palavra", nos diz Simone-Fernanda. Sempre o acaso tecendo tempo e vida, entretendo nosso espanto, surpreendendo dias, desconcertando noites...

Contudo se a consciência do acaso nos liberta - e podemos então compreender o desconcerto como a mais perfeita harmonia - por outro nos condena por saber que não somos nem jamais seremos livres de deixar de ser livre. E que essa liberdade consiste em sempre escolher e que essa escolha é sempre absurda.

Talvez por isso a vida se resuma numa dança cujos movimentos (meus e os do universo) se entrelaçam trazendo surpresas, esbarrões, alegrias, pisões no dedão, prazer e vida. É a tal vida inventada de todos os dias.
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